«O MPLA NÃO É UM PARTIDO DEMOCRÁTICO»

«O jornalista e advogado Jaime Azulay afirmou, ontem, 06/07, que o Angola jamais se vai democratizar, sem que antes o MPLA, partido no poder, decida fazê-lo internamente.

Jaime Azulay considera que Angola precisa reencontrar-se, sendo imperioso que os governantes se foquem mais nos reais problemas dos cidadãos e menos nos seus interesses pessoais.

O jornalista, que já exerceu funções de administrador não executivo das Edições Novembro, e conhecido pelas suas reportagens de guerra, durante o conflito armado em Angola, foi o homenageado nas Quintas & Homenagens, uma promoção de uma das casa nocturnas de Benguela.

O formato da homenagem incluiu um momento de perguntas respostas, período em que Jaime Azulay discorreu sobre os traços marcantes da sua vida, como jornalista, advogado, músico, camionista e professor, numa interacção que incluiu perguntas vindas da plateia.

Questionado sobre o actual momento da comunicação social em Angola, Jaime Azulay disse ser lamentável o sequestro a que esta se submete, por parte do poder político.

“Com o devido respeito aos verdadeiros jornalistas que trabalham naquela casa, exprimo a minha indignação pela forma pouco transparente e ética como é gerida as Edições Novembro”, a qual, de acordo com Jaime Azulay, se reflecte na fraca qualidade dos conteúdos publicados no Jornal de Angola, além da sua excessiva submissão à vontade do partido no poder.

Questionado sobre se aquelas declarações poderiam ser entendidas como um sinal do seu distanciamento aos ideais do MPLA, partido com o qual mais se identificou ao longo da sua vida, Jaime Azulay respondeu dizendo que o momento exige coragem, sob pena de mancharmos o nosso legado como homens de bem, comprometidos com as reais aspirações dos cidadãos.

Jaime Azulay disse não temer represálias. Ao responder a uma pergunta sobre esta possibilidade, o jornalista ironizou com o facto de que, “boa parte do que tenho vivido, nos últimos anos, não passa de gerir os efeitos das represálias que venho sofrendo, por ser uma pessoa que fala o que pensa”, concluiu.

“Aos que gostam de queixar ao chefe, aviso que estas palavras estão a ser gravadas e estarão disponíveis para quem estiver interessado”, disse a dado passo da conversa. “Estou de coração aberto”, rematou, lembrando que “também somos filhos desta terra e temos a legitimidade natural de aspirar um futuro melhor para os nossos filhos”, enfatizou o jornalista.» (ALEXANDRE LUCAS, em Benguela).

Homenagem a Jaime Azulay

Recordamos agora um texto ficcional inspirado na obra-tia (obra-prima é só para seres menores) desse paladino da comunicação do MPLA, Jaime Azulay, que o Folha 8 publicou no dia 12 de Julho de 2019:

«Na minha idade já não se acredita muito em contos de fadas mas, às vezes, acontecem coisas na vida que não lembram ao diabo, nem mesmo a “deus” ou aos seus escolhidos na Terra. Ainda bem que pela manhã, logo após o matabicho, já tinha ingerido a minha dose de whisky. Não sei se era a primeira da manhã ou a última da noite, mas para o caso tanto faz.

A nossa agenda de trabalho, como gosto de salientar, começava com a cobertura de uma visita de Estado do Presidente da MPLÂndia, Messias João Californiano de Benguela (e respectivo séquito) à “Praça 27 de Maio de 1977”, localizada ali mesmo ao lado da vala-comum que homenageia os heróis desse massacre.

Tratava-se de uma visita com elevado grau de simbolismo nas relações da MPLÂndia com o continente africano, mas não só. Ao longo do perímetro arborizado da praça estão, entre muitos outros, os bustos de grandes líderes mundiais como Agostinho Neto, Adolf Hitler, Saddam Hussein, Joseph Stalin, Pol Pot, Mao Tse-Tung e Kim Jong-il.

A nossa actividade estava prevista para o espaço defronte ao busto de Agostinho Neto, primeiro Presidente da MPLÂndia que, por sinal, foi o responsável pela limpeza da peste que invadiu o seu reino e que dava pelo nome de “fraccionismo”.

O protocolo previa traje formal para os integrantes da caravana, incluindo nós, os jornalistas, o que achei um tremendo excesso de zelo, dado a actividade acontecer a céu aberto e debaixo do calor infernal que se fazia sentir. Resolvi por bem furar a regra, vestindo calcas “jeans” e uma camisa de mangas compridas, com a estratégia (genial como é timbre de qualquer jornalista formado, formatado e reciclado na MPLÂndia) de presenciar o desenrolar da actividade, ligeiramente distanciado do local onde estava o Presidente Messias João Californiano de Benguela.

No local, encontramos jornalistas oriundos das mais evoluídas democracias do mundo, desde a Coreia do Norte à Guiné-Equatorial, totalmente descontraídos.

Após os protocolos militares realizados impecavelmente pela guarda de honra das “Forças Internacionalistas, Mercenárias e Revolucionárias”, pela parte dos anfitriões acompanhava o Presidente Messias João Californiano de Benguela o herói militar conhecido por “General Khmer Vermelho” que, na sua intervenção apologética, exaltou a tradicional amizade entre os povos dos dois reinos, forjada ainda durante a luta armada de substituição dos colonialistas, e mais tarde nas batalhas contra todos os exércitos opressores, nomeadamente aquele comandado por Nito Ales.

Seguiu-se o discurso do Presidente Messias João Californiano de Benguela que aproveitou para realçar que a homenagem em curso era extensiva aos demais líderes mundiais que, em determinados períodos da História, lutaram para a libertação dos seus povos do jugo do colonialismo. “A luta dos povos africanos pela sua independência contou sempre com a ajuda e solidariedade do povo amigo da Coreia do Norte, de Cuba, da Guiné Equatorial”, disse o Presidente, ressaltando que nos tempos actuais as relações com esses baluartes das liberdades, da democracia e do progresso se encontram nos patamares de uma cooperação mutuamente vantajosa em vários sectores de actividade.

Após a cerimónia, toda a comitiva do Presidente Messias João Californiano de Benguela visitou os restantes bustos do parque. Aproveitei para dar um abraço ao Fernandinho e ainda batemos as competentes fotos para comprovar a nossa inevitável (re)conciliação. Cumprimentei também dois generais amigos, mas depois procurei continuar sozinho a uma boa distância, com o meu metro e noventa e quatro e meio e centena e poucos picos de quilos a destilar a rodos. Tentava aproveitar a sombra de uma árvore, quando, repentinamente, deparo-me com toda a comitiva a parar do outro lado do arrelvamento e o Presidente Messias João Californiano de Benguela a apontar a kalashnikov, perdão, o indicador para mim.

Oh, meu Deus, que se passa? Olho para o lado e não havia mais ninguém assim muito próximo. Arregalo bem os olhos, que como sabem se situam naquela coisa mais ou menos redonda no topo do corpo e que, dizem alguns, serve para pensar mas que eu, inteligentemente, apenas uso com fins decorativos, e vejo o Fernandinho e outras pessoas a chamarem-me com gestos que se ouviam do outro lado da praça:

“É você mesmo Avermelay, vem cá”.

Tentando refazer-me (isto é como quem diz) da surpresa já planeada, comecei a caminhar em direcção ao Presidente Messias João Californiano de Benguela e quando estava a poucos metros, ele “dispara” enquanto estende a mão firme típica de um general: “Ó Avermelay, estás assim tão gordo que já não consegues caminhar, que se passa contigo? Tens de fazer como os nossos 20 milhões de pobres e comer fuba podre, peixe podre e, se refilares, já sabes, levas porrada”.

Confesso que me senti como um esquimó em pleno deserto do Sahara, mas lá consegui cumprimentar o Presidente Messias João Californiano de Benguela, mas os estalidos das câmaras dos meus colegas me punham sem jeito. Estavam todos estupefactos, porque o Presidente estava a “furar” o rígido protocolo, se bem que fosse por uma nobre causa, como são, aliás, todas as que ele protagoniza.

Então, aqui todo pessoal bem vestido e o Presidente manda parar a comitiva e chama esse grandalhão desajeitado que estava quase como o gato, escondido atrás de uma árvore mas – como previsto – com o “rabo” de fora? Sinceramente…

O Presidente Messias João Californiano de Benguela aparentava boa disposição e perguntou-me: “Então, nosso antigo repórter de guerra, deixaste de correr agora estás a ficar gordo, tem de treinar e agora também já não escreves, porquê? É que o MPLÂndia continua a precisar dos teus escritos bajuladores”.

Retorqui: “Presidente, ainda hoje o La Gaceta de Guinea Ecuatorial publicou a minha crónica a partir daqui”. Ele sorriu e depois despedimo-nos de forma bastante cordial.

Foi assim o meu primeiro encontro com o Presidente Messias João Californiano de Benguela, depois que se tornou Presidente da MPLÂndia.

Enfim, quis o destino que me encontrasse com o meu Presidente Messias João Californiano de Benguela num local do outro lado do Atlântico, distante do nosso reino milhares de quilómetros. É bem verdade o que ensina a sabedoria do nosso povo: apenas os morros de Salalés não se encontram. Caro Presidente Messias João Californiano de Benguela, muito obrigado pela atenção que me dispensou e acredito ser extensiva aos profissionais sérios da comunicação social angolana. Senti-me muito honrado, sim, porque tenho certeza que sempre procurei fazer o meu trabalho com dedicação, amor e sentido de missão, tal como aprendi com os valores que me foram inculcados pela família e pelos homens de verdade com quem tenho cruzado neste precário percurso que é a vida.

Campeão (não) luta!»

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